As origens do nosso gado zebu
A história da criação de gado zebu na nossa família começa com o casal José Joaquim Siqueira e Madalena Leinat. Ele, natural de Amparo, e ela, de Monte Alegre do Sul, uniram suas vidas e forças ao se casarem e iniciarem o trabalho nas terras da família, no bairro da Ponte Preta, em Monte Alegre do Sul.
Naquela época, o café era o grande motor da economia regional. A cada colheita bem-sucedida, novas áreas eram compradas, e as fazendas cresciam acompanhando o ritmo da riqueza que o grão trazia. Era um tempo de trabalho pesado e esperança farta, em uma região montanhosa onde a tração animal era indispensável tanto para preparar a terra quanto para transportar os grãos até os armazéns.
Lembro-me com carinho das histórias contadas pelo tio Benedito Siqueira, irmão da minha avó, sobre a lida com os burros de carga. Ele dizia:
Os burros são muito inteligentes. Não se deve gritar com eles — não são surdos. Você ficaria impressionado com o tanto de coisas que eles aprendem.
Benedito Siqueira
O Café
Com o avanço do café, Amparo e Monte Alegre prosperavam. O progresso chegava sobre trilhos: a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro passava dentro da propriedade da família, e a estação local — conhecida como “Chave” ou “Tronco Chave” — se tornaria um ponto importante de embarque de café e insumos. Mais tarde, parte dessas terras ficou com dois tios-avôs que muito me influenciaram, mas essa é uma história para outro post.
Foi justamente com a ferrovia que chegaram os mascates e vendedores itinerantes, oferecendo desde ferramentas até sementes e animais. Um desses comerciantes apresentou ao meu bisavô uma novidade que começava a despertar curiosidade no interior paulista: o gado zebuíno.
Contavam que esses animais haviam sido trazidos da Índia para a Argentina, mas, sem se adaptar ao clima frio dos pampas, estavam sendo revendidos para criadores do Brasil. Ou seja, nossa genética indiana veio fugindo do frio, encontrando nas montanhas de Monte Alegre um novo lar.
Por volta da década de 1930, chegaram à fazenda os primeiros exemplares de gado zebu, provavelmente da raça Gir, reconhecida pela dupla aptidão: carne e leite. Os animais logo chamaram atenção pela rusticidade e pela docilidade, e a notícia se espalhou.
Logo, vizinhos e criadores da região vinham conhecer os zebus e tentar comprar descendentes para cruzar em seus rebanhos. Sem saber, meu bisavô plantava ali uma semente que atravessaria gerações — uma paixão silenciosa e profunda pela criação de gado, que jamais se apagaria da nossa história.
Das lavouras aos pastos
No começo da década de 1920, o café — que já havia tingido de verde as montanhas do interior paulista — começou a perder força. A quebra da Bolsa de 1929 selou o fim de uma era. O que antes era sinônimo de fartura, em pouco tempo virou incerteza.
Foi então que o gado zebuíno, sem saber, começou a escrever um novo capítulo para a região montanhosa do Circuito das Águas Paulista.
As terras altas, quase intocáveis pelos tratores, precisavam de uma nova vocação. E ela veio de forma silenciosa, em uma parceria improvável: o capim Brachiaria e as raças zebuínas. Juntos, transformaram montanhas em pastos e agricultores em boiadeiros.
Com a minha família, não foi diferente. Nas poucas áreas planas, resistiram as roças de chuchu, mexerica pocan e mandioca. Mas o restante das terras — onde antes se colhiam grãos de café — passou a ecoar o mugido do gado.
Foi como se a terra tivesse escolhido seu novo destino.
Se o café representou a riqueza que sobe, o zebu foi a força que permanece.
E assim, entre montanhas e pastos, o que começou como necessidade virou tradição — e o nosso destino estava traçado.